Páginas

MUITO BOM, MAS MUITO FÁCIL



O tomate é um grande exemplo desta nossa triste e, de certa forma, insensata mania de desprezarmos o que temos por fácil. Somos assim com a matéria e com o etéreo, com os tomates e com os diamantes. Pouco importa se mais belo é o rubi – a raridade do diamante é que lhe confere valor. Fomos descobertos, como país e continente, à civilização ocidental graças à avidez humana pelo difícil, à busca do Velho Mundo pelas raras especiarias orientais.
Coitado do tomate! Ele, assim como o arroz, é uma das vítimas do nosso desprezo pelo fácil. Suas características nutritivas são interessantes: de baixa caloria (14 cal/ 100g), sem colesterol e com quase inexistentes gorduras de qualquer natureza, é alimento indicado na epidemia contemporânea mundial de obesidade. O tomate é rico em vitamina A, importante para a integridade ocular e cutânea, e seus teores de vitaminas do complexo B, potássio e fósforo são significativos.
O licopeno, um potente antioxidante, está presente em altas concentrações e, na literatura médica, há trabalhos indicando um possível efeito protetor do tomate na prevenção do câncer de próstata e no combate à hipertensão arterial. Tudo isso a míseros poucos reais o quilo! Mas quem dá valor?
Nem importado o pobre do tomate é! É primo da berinjela e dos pimentões – não é que aquelas sementinhas se parecem ? – e é originário daqui mesmo, das Américas, a exemplo do que ocorre com outros vegetais o milho e a batata. Há relatos da presença do tomate nas nossas grandes civilizações pré-colombianas, maias e astecas.
Os responsáveis pela disseminação do tomate no Ocidente foram os espanhóis, que levaram consigo a prata e tudo mais de bom que encontraram. Como ingrediente gastronômico, ele só foi aparecer à mesa européia no início do século 17. Sua íntima história com os espanhóis explica por que ele é o mais popular ingrediente da cozinha mediterrânea, fato que não se restringe às fronteiras daquele país, mas que se difundiu para os vizinhos França e Itália de forma contundente. Quando se lê que algo é “à provençal” (de Provence, região do sul da França), saiba que lá estará o tomate como ator principal, ao lado do alho e do azeite.
O tomate padece de um sofrimento adicional: crise de identidade. É que ele não sabe se é fruta ou legume. Muito usado em saladas e ingrediente freqüente em pratos de forno e fogão, o uso o fez ser incluído no rol dos legumes. Botanicamente, entretanto, o tomate é o ovário da planta como um todo (assim como o é a uva, por exemplo); logo, tecnicamente, trata-se de uma fruta. Ninguém se importa com isso, não é mesmo? Claro que não – a não ser os nossos obsessivos e litigantes ianques.
Podem acreditar: a questão, nos EUA, se tornou briga jurídica da pesada no final do século 19. Em 1887, o governo impôs taxação pesada sobre os legumes, mas não sobre as frutas. Os produtores de tomate saíram da cozinha e foram se refugiar nas teorias botânicas, o que fez o governo apelar. O caso foi parar na Suprema Corte – pasmem! – que finalmente decidiu que Deus – ou Darwin –, aos olhos do nobre povo dos EUA, estava errado e que tomate, para eles, era legume mesmo! Tipicamente americano, não? O maior absurdo não é um supremo tribunal ficar julgando a natureza de um vegetal nem o fato de um tribunal contradizer o divino. Mas por que é que ninguém pensou em redigir o artigo original com a ressalva “todos os legumes – e o tomate também”?!
Alheio a tudo isso, o bom e fácil tomate há muito deixou as Américas e o Mediterrâneo e, hoje, é ingrediente principal de várias iguarias nos quatro cantos do mundo. Seu molho e extrato são utilizados em milhares de pratos intercontinentais, além de ser estrela de inúmeras receitas de saladas e chutneys. O catchup (ou ketchup) inicialmente era um molho de anchovas e ostras, provavelmente originário do Oriente. Mas sua fama ganhou mundo mesmo depois que Heinz o difundiu como um molho de tomate temperado.
O Bloody Mary (tomate, vodca, sal, tabasco, molho inglês e limão, com inúmeras pequenas variantes da receita) é um dos mais famosos drinques do mundo e seu nome remonta a uma história interessante. A Maria Sanguinária que a bebida homenageia é Mary I, rainha inglesa (e da Irlanda) de 1553 a 1558, quando morreu. Católica, seu desejo era restabelecer esta religião por lá e, para tal, registra-se que mais de 300 “hereges” tenham sido assassinados sob seu comando. O vermelho do tomate representaria o sangue derramado; a vodca, a loucura da rainha. Vai um?
Rainhas, assassinatos, tribunais, impostos, impérios dizimados... a tudo isso o tomate sobreviveu, persistente, resiliente. A natureza nos ensina que o fluxo caminha para o sucesso e que nada que não seja bom dura tanto assim. Mas não basta ser bom, nobre e pobre tomate – há que ser difícil. Ah!, cruel humanidade...


FONTE: BRENO FARIA/JORNAL OPOPULAR

2 comentários:

Vanessa disse...

Oi miga, que otima materia gostei muito de ler, e vc esta bem né, é isso ai vamos em busca.
bjss e otimo fim de semana.

Débora disse...

ahhh eu adoro um tomatinho,

um otimo final de semana pra ti
Bjinhusss
Debi



Devagar eu Chego Lá